Não é de hoje que as questões acerca do desempenho
escolar são pauta de discussões entre professores e profissionais da educação e
saúde.
Crianças e adolescentes que no curso de seu
desenvolvimento escolar, apesar de não apresentarem nenhum impedimento
cognitivo, transtorno de aprendizagem ou falhas sensoriais, não conseguem obter
o resultado esperado por pais e professores.
O que poderia estar acontecendo? Onde estaria o
cerne do problema? Estaria na escola? Na metodologia utilizada?
Muitas questões precisam ser analisadas quando se
fala de baixo desempenho acadêmico. Sabe-se que para a criança obter êxito na
escola é preciso que cresça aprendendo a se regular, a estabelecer estratégias
para alcançar suas metas, saber estudar e se organizar.
Aprender a ter autonomia constitui um fator
primordial para crescer independente, organizado e ter metacognição, isso quer
dizer que é preciso que o indivíduo tenha conhecimento sobre suas capacidades,
percepção, avaliação, regulação comportamental e refletir sobre suas ações: é
aprender a aprender. RIBEIRO (2003)
Mas, hoje em dia, com a demanda diária do fazer dos
pais e cuidadores da criança, com o apressamento da vida que estamos expostos,
a criança tende a ter tudo pronto, tudo muito arrumado para que seus cuidadores
não percam tempo, e com isso, habilidades que iriam desenvolver a autonomia da
criança ficam como que “adormecidas” e ela passa a ter um comportamento
passivo, a não ter que se preocupar com nada, com suas necessidades mais
básicas pois tem quem faça por ela, rápido, pois não há tempo a perder. Por
outro lado, temos ainda a carência de tempo dos pais com seus filhos, que
acabam por fazer todas as suas vontades, por conta de sentirem-se tão ausentes.
E a criança cresce com suas vontades sendo atendidas de pronto. Não aprendem a
esperar, querem no seu tempo e assim crescem, com suas vontades sendo
satisfeitas de pronto. Caso não sejam atendidas, vem a birra! Apavorados e sem
saber como lidar com esse comportamento, os cuidadores cedem! E como essas
crianças crescem?
Mas como adquirir essas habilidades tão importantes
para a vida escolar? Como a criança vai se organizar nas tarefas escolares,
arrumar seus pertences na mochila ou parar e prestar atenção no que o professor
diz, nas tarefas que precisa iniciar e terminar em tempo hábil, se não aprendeu
a ter autonomia e a cuidar de si?
Ter bom desempenho acadêmico requer possuir
habilidades que possibilitem foco e metas pré- estabelecidas, habilidades essas
que, como se sabe, compõe as Funções Executivas.
Segundo Gazaniga (2006) as Funções Executivas são
um conjunto de habilidades cognitivas fundamentais para cumprir-se diversas
atividades que requerem planejamento e monitoramento de comportamentos
intencionais relacionados a um objetivo ou a demandas do meio ambiente.
As funções executivas, deste modo, possibilitam ao
indivíduo uma interação com o meio de maneira mais ajustada, mais harmoniosa ,
sendo a base para a orientação e estruturação de várias habilidades
intelectuais, emocionais e sociais, como se programar para as tarefas
domesticas, ir à escola, ir ao trabalho, fazer os deveres de casa, estudar para
a prova, terminar suas atividades dentro do tempo estabelecido, priorizar
necessidades individuais e coletivas entre muitas outras tarefas importantes do
dia a dia. VASCONCELOS (2011)
O desenvolvimento das habilidades executivas começa
no primeiro ano de vida do bebê e vai se acentuar por volta dos 6 e 8 anos de
idade, avançando até o final da adolescência e o início da fase adulta do
indivíduo. ROTTA(2016).
Podemos aqui observar ao longo desse período, à
medida que a criança cresce e se desenvolve, que as diversas habilidades
executivas vão se aprimorando e quanto mais vivencio e experimento situações
que demandem autorregulação e atenção vou amadurecendo essas habilidades e
tendo ganhos comportamentais que me possibilitarão melhores aprendizagens.
As funções Executivas e suas habilidades tem sido
alvo de muitos estudos e pesquisas por diversos autores que pontuam a
existência de componentes diferenciados e de crucial importância. Para Miyake
et al(2000), três componentes são fundamentais: o controle inibitório, a
memória de trabalho e a flexibilidade cognitiva. Outros autores acrescentam a
esse construto componentes de maior complexidade como a resolução de problemas
e planejamento. ROTTA(2006)
Para entendermos a importância desse construto,
vamos ver o que Rotta (2006), Diamond(2007) e Barkley (2001) nos falam dessas
habilidades:
1-Controle inibitório: é a capacidade de
pensar antes de agir, ou seja, inibir uma resposta comportamental
impulsivamente, passando de uma resposta para outra melhor e mais considerada,
adequada para a situação. É a maneira com que o cérebro modula o nosso
comportamento.
2-Memória de trabalho é a capacidade de
se armazenar temporariamente as informações e as incorporar a outros estímulos
do meio ambiente, ou seja, poder buscar uma informação na memória de longo
prazo, facilitando seu resgate quando necessário. Tem um papal fundamental na
capacidade de compreender o que se está lendo, o que se está a aprender e na
capacidade de manter o raciocínio com logicidade. É ela que dá sentido aos
acontecimentos, evocando eventos já armazenados e integrando com os novos que
se está a prender.
3-Flexibilidade cognitiva é a
capacidade em alternar o foco, mudar de atividade ou de planos: se um caminho
escolhido não traz resultados positivos, outro caminho é elaborado e
percorrido. É a capacidade de mudar de planos em decorrência da demanda imposta
pelo meio a que está inserido.
Como se pode observar nas falas de Rotta (2006 ),
Diamond(2007) e Barkley (2001), as habilidades simples que se requer nas
atividades escolares podem ser alteradas, por exemplo, por ausência do controle
inibitório: se eu não paro, não presto atenção e assim a habilidade executiva
que tem como função selecionar, dentre vários estímulos distratores o que é
relevante (atenção seletiva), fica prejudicada e me distraio em sala de aula.
Outra habilidade que exerce grande influência no
desempenho escolar é a memória de trabalho: ela me faculta a compreensão do que
está sendo aprendido, por evocar o que já aprendi e me facilitar também a
compreensão do que estou lendo.
Da mesma maneira, ser flexível me viabiliza novas
possibilidade e planejar qual caminho ou rota devo seguir para obter sucesso.
Se o comportamento é rígido, não saio do lugar, não aceito novas possibilidades
e continuo fazendo do mesmo jeito, mesmo percebendo que o caminho escolhido não
é o melhor a ser adotado. Outro comportamento observado na ausência de
flexibilidade na escola é a dificuldade de me adaptar a mudança ou planos em
sala de aula, em trabalhos em grupos onde escutar o outro e mudar planos se faz
necessário para que obtenhamos sucesso. ROTTA (2006 ), DIAMOND(2007) E BARKLEY
(2001)
A relação das habilidades executivas e o bom
desempenho acadêmico tem sido evidenciado por diversos autores: Capovilla
(2008), Dias(2010), Gathercole et al (2006) comprovaram que o controle da
atenção e a autorregulação são predistores de bom desempenho escolar em
disciplinas como as de matemática e linguagem.
Gathercole et al (2006) evidenciaram que a memória
de trabalho influencia diretamente sobre a leitura, prejudicando a memória de
curto prazo visoespacial, interferindo diretamente na linguagem, consciência
fonológica e memória de curto prazo fonológica. Impacto que pode ser
evidenciado no não cumprimento de uma tarefa escolar, por dificuldades de
manter-se focado e terminá-la dentro do tempo estabelecido.
Outros estudos vieram comprovar a relação das
habilidades executivas bem desenvolvidas e o êxito no contexto acadêmico.
DIAMOND(2007), DIAS(2010)
Crianças na fase pré- escolar com controle
inibitório e autorregulação já bem desenvolvidas conseguem compreender melhor
ordens e seguirem regras, facilitando a aprendizagem e o desejo em realizar
tais tarefas. DIAMOND(2012)
Com base nesses dados fica aqui um questionamento:
por que não estimular as habilidades executivas em sala de aula? Não seria uma
forma de preparamos nossos estudantes a terem sucesso acadêmico e em sua vida?
Na literatura vários métodos de estimulação das
habilidades executivas já se encontram disponíveis e um estudo criterioso de
qual melhor método a ser utilizado pelas escolas (inserido em sua
metodologia) deveria fazer parte de discussões entre os educadores.
Fica aqui uma reflexão: a quem caberá esse novo
olhar, aos terapeutas, aos pais ou a escola? Uma ação em conjunto sem
dúvida traria benefícios a nossas crianças e melhoraria o fazer acadêmico,
evitando repetências e a evasão escolar.
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